quarta-feira, 15 de junho de 2011

A Essência do Discipulado


Em João 21.18 e 19 encontramos um texto curioso, no qual Jesus faz uma declaração a Pedro, antevendo seu futuro:
“Em verdade, em verdade te digo que, quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres. Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a Deus. Depois de assim falar, acrescentou-lhe: Segue-me”

O próprio texto interpreta a si mesmo quando o evangelista João explica: “Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a Deus”. Mas eu gostaria de ir um pouco mais além da interpretação literal dessas palavras, gostaria de expor uma impressão que meu espírito recebeu ao perceber no que essa declaração pode significar para nossas vidas hoje.
Creio que o conteúdo desta afirmação de Jesus se aplica perfeitamente à essência do discipulado. O processo do discipulado passa por vários estágios, dentre os quais Jesus, nesse texto, aponta para dois deles. Ele usa as palavras “moço” e “velho”. Jesus fala para seu discípulo Pedro: “quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias”. É exatamente dessa forma que nos comportamos quando estamos nos primórdios de nossa caminhada com Deus. Somos impulsivos e inconseqüentes, temos dificuldades de obedecer e somos tendenciosos à independência. Olhe para a vida do próprio Pedro e você encontrará essas características nele quando lê os Evangelhos. Sempre cometia gafes e de contínuo recebia repreensões de Jesus, porque tinha pouco discernimento e era dotado de uma personalidade impulsiva. Pedro era um homem de extremos – não sabia manter o equilíbrio de suas atitudes: em um momento ele dizia: “Nunca me lavarás os pés” (Jo 13.8), em outro momento ele
afirma: “não somente meus pés, mas também as mãos e a cabeça” (Jo 1.9). Numa ocasião ele estava fazendo uma das maiores declarações da história da igreja e recebendo elogio de Jesus (Mt 16.16, 17), um pouco mais adiante, imediatamente depois que faz a declaração mais importante para o estabelecimento das bases da igreja, o vemos sendo repreendido pelo Mestre por falar algo sem qualquer percepção (Mt 16.22,23). Pedro era de extremos! Fazia o que tinha vontade e dizia o que vinha em sua mente carnal. Olhe para você mesmo e veja se não havia ou ainda há atitudes que demonstram tal imaturidade. Quantas vezes agimos de forma independente, nos adiantamos ao Espírito, demonstrando que ainda somos donos do nosso próprio nariz! Quando olho para trás posso me lembrar de dúzias de ocasiões em que fiz o que queria sem me preocupar se era a vontade do Pai, lembro-me de decisões importantes que tomei de forma independente e que mais tarde paguei um alto preço pela imaturidade. Quando somos “moços”, ou seja, quando não estamos bem conscientes do que é ser verdadeiramente um discípulo de Cristo, “andamos por onde queremos”, fazemos o que achamos melhor, erramos, pagamos o preço pelos erros, mas aos poucos vamos aprendendo a essência do verdadeiro discipulado que é a dependência total da vontade do Pai.
O estágio no qual Jesus deseja que cheguemos é a prática da maturidade, onde Ele designa pela palavra “velho”, ou seja, “ancião”, alguém que já chegou em um ponto onde aprendeu a viver e tem uma gama de experiências que a vida lhe ensinou. É claro que não precisamos chegar à terceira idade, necessariamente, pois pelo Espírito Santo em nós, podemos aprender a viver como verdadeiros discípulos do Senhor, agradando-o e servindo-o. Ser “velho” transcende aos cabelos brancos e às rugas na face, mas é o ponto em que alcançamos amadurecimento espiritual e aprendemos a ser discípulos de Jesus.
O discípulo não faz o que quer. Aliás o critério fundamental para tornar-se discípulo, é abandonar o governo da própria vida para que Cristo reine. Somos discípulos na mesma proporção em que Cristo nos governa. É quando não mais fazemos o que queremos e sim o que Ele quer. O discípulo tem uma placa pendurada na porta do seu coração, com os dizeres: “sob nova direção”, sim, porque agora quem está no controle é Jesus! Quero lhe fazer uma pergunta e o grau de sua resposta indicará, numa escala de 1, sendo para “moço” até 10 para “velho”, em que intensidade a sua vida de discípulo se encontra hoje: Você se preocupa em saber se Deus aprova ou não as decisões que toma? Suas atitudes tem sido norteadas pela emoção ou pela oração? Cristo agiria, se estivesse em seu lugar, da forma como você tem agido?
Repito, a intensidade de nossa entrega, da renúncia de nossa própria vontade pela vontade do Pai, é que medirá como estamos nos comportando como discípulos. Paulo diz: “Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gálatas 2.19,10). Aqui encontramos o lugar do discípulo: a cruz! É onde submetemos nossa vontade, nossos desejos, sonhos, idéias, conceitos e atitudes à vontade do Senhor de nossas vidas. É quando damos as chaves do nosso coração a Ele e não ficamos com nenhuma cópia destas para assumirmos o controle quando “achamos necessário”. O caminho do discípulo é um caminho sem volta (Lucas 9.62). Confesso que algumas vezes é difícil e até mesmo quase insuportável, se não fosse pelo operar do Espírito Santo, sentir que não somos mais nós quem mandamos – vem a sensação de que o barco de nossas vidas está a deriva num oceano aberto e desconhecido, mas nessas horas sinto o Mestre dizer: “bem vindo, meu filho, ao clube do discipulado!”. Antes do calvário Jesus passou pelo Getsêmani, ali foi o lugar onde Ele teve que tomar a decisão definitiva de não fazer a Sua vontade, mas a vontade do Pai. Depois dali, o vemos em sua agonia e sofrimento, mas decidido e consumar o propósito pelo qual fora enviado. Acredito que a ansiedade, a preocupação, a aflição, a amargura, a angustia e sentimentos como esses, vêm quando não estamos totalmente entregues ao Senhor, quando não estamos suficientemente certos de que Ele cuidará realmente de nós. O discípulo vence esses amargores da vida, pois tem a convicção de que Deus o está guiando. Mas precisamos fazer a escolha de deixá-lo nos cingir e até de nos levar para onde nossa vontade carnal não quer! Quando isso ocorre, uma profunda paz sobrevém à nossa alma, uma confiança inabalável nos visita e uma certeza de segurança e cuidado nos invade, pois passamos a ter a convicção de que Ele jamais falhará.
O texto continua: “Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a Deus”. Nossa “morte” glorifica a Deus! Como? Quando deixamos de viver para nós mesmos e passamos a viver para Ele. Por isso o mais alto grau de glorificação, de adoração que podemos dar a Deus é quando estamos na cruz e por essa nos deixamos morrer. Jesus disse: “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (João 17:4). Glorificamos a Deus quando “consumamos”, quando “completamos” nossa carreira de discípulos, permitindo Ele realizar Sua obra em nós. Não há nada que desonre mais o Evangelho de Jesus Cristo, que desvalorize a obra de Cristo do que uma vida egocêntrica, do que um cristão que vive pra si. A cruz é o destino do discípulo, pois é lá onde morremos para nós mesmos, para os nossos caprichos, para os próprios conceitos e aonde chegamos no mais alto grau de maturidade e dependência do Pai. Dessa forma Ele é glorificado em nossas vidas, por isso o Espírito Santo afirma por meio do salmista: “Preciosa é aos olhos do SENHOR a morte dos seus santos” (Salmos 116:15).
Por fim, a passagem encerra-se com a seguinte declaração: “Depois de assim falar, acrescentou-lhe: Segue-me”. Veja a relação entre “cruz”, ser “discípulo” e “seguir” a Jesus: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16:24). É quando nos dispomos a morrer para nós mesmos e fim de permitir Cristo viver em nós a Sua vida, é que estamos aptos a seguí-lo e sermos chamados de DISCÍPULOS.

Marcos Arrais

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